sexta-feira, março 13, 2009

Resposta a um velho amigo

Caro amigo,

Desculpa a demora da minha resposta, mas não tinha surgido ainda oportunidade para te escrever.

Digeri devidamente a tua carta, a qual - muito sinceramente - leio de sobremaneira negra. É indiscutível que gostos são pessoais e intransmissíveis, bem como certos factos incontornáveis são.

No entanto, não posso concordar contigo. Aliás, julgo não poder discordar mais...

Na vida, só há dois tipos de pessoas; seja no Bolhão ou em S. Bento, em Portugal ou em qualquer outra parte do mundo.
Há as que interessam e as que não interessam.
Não importa a cor, o credo, a nacionalidade, tendência política, sexo nem orientação sexual. Há os que interessam e os que não interessam. Esta é a divisão da sociedade que observo, contestando as causas geográficas que mencionas. Não é novidade nenhuma o que te digo, desde que o Homo se apelidou de Erectu que a humanidade assim se dividiu.

Naturalmente, ambos têm direito à vida e à palavra. Mas se lhes damos ouvidos ou não, é uma questão pessoal e intransmissível e aqui todos temos quota-parte de culpa, pois a sua Força de Jedi advém apenas da atenção que lhes prestamos.

Podemos dizer que os políticos são todos iguais, que são todos farinha do mesmo saco, intrujões e ladrões de esmolas, mas não seria verdade. Nem justo. E tu sabe-lo bem, pois são características que terias de atribuir a ti próprio e que, novamente, não são verdadeiras nem justas.

A diferença entre os bons e os maus políticos é o tempo de antena.

É fácil dizer mal e arrotar umas postas de pescada aqui e ali, seja no Bolhão ou em S. Bento. Muito mais difícil é dizer bem.

Porque para dizer bem é forçosamente necessário argumentar. E aqui mora o busílis. Não podemos esperar que um povo mal educado tenha essa capacidade (falo em termos latos, como julgo ser perceptível). O ser humano não faz mais e melhor por obra e graça do Espírito Santo, seja o do Jesus Cristo ou o do Ricardo Salgado. É um processo. E esse processo exige forçosamente um controlo. A evolução é natural, mas a excelência requer orientação.
Aqui tenho que dar razão a Belmiro de Azevedo. Portugal sofre de uma lacuna de liderança a todos os níveis, político, administrativo, empresarial, educativo, familiar... este é o nosso calcanhar de aquiles. Sofremos de uma baixa auto-estima crónica e histórica.
Porque não sabemos. Desconhecemos. Temos sempre que procurar bengalas em opiniões e sugestões. Não sabemos decidir em conformidade.

E este mal tem repercussões a todos os níveis. Se um povo não tem educação não vai produzir bons líderes, muito menos bons políticos. Nem bons gestores. Nem bons professores. Nem bons pais. Mas produz bons marketeers, curiosamente. Refiro-me no sentido de eficazes a fazerem-se valer desta dormência mental e cultural generalizada. Ou seja, eficazes a distraírem-te das lacunas da tua existência com brinquedos bonitos, reluzentes e, até, de questionável utilidade. Mas a verdade é que resulta. Se estiveres distraído, não te dás conta das misérias da tua vida. E este é o graal da política em Portugal. Porque, no fim de contas, não sabemos fazer. Muito menos mais e melhor. Mas desde que ninguém se aperceba disso, reina a tranquilidade.

Já não é a primeira vez que digo que a diferença entre Sócrates e o Jay Leno é que este tem um programa só dele.

Mas neste momento precisamos de mais. Precisamos de um Conan O'Brien. Um sumo-pontífice de audiências, líder em interesse e indeflectível na ideologia.

Os americanos até têm dois, vê lá... Um fez recentemente as malas em direcção a Los Angeles e outro em direcção a Washington.
Podemos dizer o que quisermos sobre os americanos. Mas o facto é que souberam unir-se em torno de um interesse comum. E já não é a primeira vez que o fazem. Desta vez cerejaram o bolo ignorando raça e cor. Ficou-lhes bem.

Mas nós estamos, e como bem disseste, fodidos.
Porque, convenhamos, se não for o Sócrates quem vai ser?
A Manuela ainda não percebeu que precisa de ter um programa só dela também.

E mais uma vez a culpa é de todos nós. Afinal de contas, também não somos muito exigentes com os nossos políticos. Se 60% de portugueses chega para eleger um Governo, porque hão os outros 40 levantarem-se do sofá ou da toalha de praia?

Pessoalmente acho que os portugueses deviam ir às urnas todos os anos decidir quem ganha o campeonato. Resolvia-se de uma vez a questão da corrupção no futebol e criava-se o saudável hábito de levar o povo às urnas.

Resumindo, é uma questão de Educação. Ou, neste caso, da falta dela.

Mas parar é uma coisa. Parar, olhar em volta e decidir o melhor rumo a seguir.

Dar um passo atrás nunca levou ninguém a seguir em frente.

Peço-te que não ignores, minimizes ou menosprezes a Crise. Não é ficção. Garanto-te.
Sou empresário. Pequeno, mas orgulhoso e dedicado. O que no nosso país significa que sou masoquista. E isto não anda nada fácil. Há trabalho, mas também há dificuldade em receber. Porque no fundo, estamos todos na mesma situação.

Mas agora vou dizer-te algo que talvez desconheças, simplesmente porque é um mundo onde não estás integrado: É digno de ver o esforço que está a ser feito pelos pequenos empresários da nossa praça; tenho visto desenvolver-se um espírito de entre-ajuda comovente entre organizações, clientes, fornecedores, etc., que um-bodadinho-aqui-um-bocadinho-ali vão fazendo uns pelos outros, sabendo que juntos conseguiremos sobreviver.

O que é indigno e errado a todos os níveis é a atitude do governo face à crise. As crises económicas são feias, mas úteis, pois ajudam a limpar lixo e peso morto da malha empresarial. Pode parecer cruel, mas há empresas que não devem existir. E há empresários que não devem persisitir.
Se não reúnem condições para sobreviver, então têm que cair. Caso contrário vão continuar a viver como parasitas, consumindo recursos que são vitais para outras organizações.
Não há que temer o fantasma do desemprego. Somos bombardeados com notícias de encerramentos compulsivos de empresas, mas nunca ouvimos falar de quantas novas empresas abrem todos os anos em Portugal. Muitas acabam por não conseguir vingar, justamente pela insistência em manter os mercados saturados de parasitismo, outras simplesmente porque nem todos os empresários têm vocação para o ser.
Não estou a inventar nada de novo. É a Lei Natural. Em português traduz-se, e mal, the survival of the fittest como a sobrevivência dos mais fortes, quando na realidade deveria ser a sobrevivência dos mais adaptados.

Outra questão importa focar. Os portugueses dão pouca importância à vocação. E muito por essa razão, são infelizes. Desde miúdos nos habituámos a responder a "o que queres ser quando fores grande?" em função de sonhos e, mais tarde, de ambições económicas. É errado. Devíamos perguntar aos nossos filhos - e aos dos outros, já agora - "o que tens vocação para seres quando fores grande?". Começar desde cedo a prepará-los para seguirem carreiras nas quais serão bem sucedidos, tão simplesmente porque é aquela onde as suas personalidades prevalecerão. A crise de liderança e auto-estima começa aqui. Um indivíduo não pode ser bem sucedido numa actividade que desenvolve por pura falta de alternativa. Nem muito menos feliz. O que o vai lançar numa espiral de insatisfação que vai contagiar todos os que o rodeiam. E não só. Vai ter consequências na vida do indivíduo que deveria estar a desempenhar aquela actividade, cujo acesso é interdito por já se encontrar lotada, e que por sua vez vai ser infeliz a ocupar um lugar que pertenceria a outra pessoa.

Esta bola de neve vai culminar no regresso a casa, ao fim do dia. Tornam-se necessários escapes para estas infelizes existências, que são preenchidos por consumismos de encher a vista, entre TV's, DVDs e Playstations, cujo efeito terapêutico permite reunir as forças necessárias para o dia seguinte.
E estes, meu caro amigo, também vigoram no interior do nosso Portugal.

Para as sociedades serem civilizadas é necessário civismo e bom senso. Para os teres, ou pelo menos para te aperceberes que os tens, tens que ser Educado.

Pessoalmente, dispenso a Playstation. Prefiro os jogos de mesa, com os amigos do costume. Não dispenso o DVD porque os bilhetes de cinema estão pela hora da morte. Não dispenso a Internet por ser um meio inesgotável e barato de informação e cultura, por ser um indispensável instrumento de trabalho e, já agora, pela pornografia também. Não preciso de Ter uma casa. Gosto muito da casa da minha senhoria. Tenho 2 carros, não por capricho, mas por força do destino. Um é económico e o outro é velho. Chega ao cúmulo de ser mais vantajoso manter os dois do que vender qualquer um deles...

Quanto aos banqueiros, às empresas de telecomunicações e demais vendedores de peixe alheio, ofereço um educado e sorridente "não obrigado", quando não me interessa o que vendem. Não gasto mais do que o que preciso e não me perco em devaneios consumistas.

Quanto aos políticos, nunca perco um acto eleitoral e voto sempre, não em função de clubes, mas de acordo com a minha consciência e com o que julgo ser o mais correcto, ou pelo menos o menos errado, para o futuro de todos nós.

Continuo a defender que um sistema sócio-político com 2500 anos tem forçosamente que ser obsoleto. Já não o é o sistema financeiro, que tem sabido crescer, evoluir e, mais recentemente, banhar-se na carótida do cinzento regulamentar que o sistema político-económico não soube ou não conseguiu controlar, fechando olhos a uma emergente economia de Post-it's. Só não viu quem não quis, bem como só lá se meteu quem quis.

Quanto a mim, vou fazendo o meu bocadinho, com a plena noção que a mudança tem que começar em nós, depois nas nossas casas e, consequentemente, na nossa sociedade.

E sabes que mais?

Sou feliz. Estou rodeado por pessoas que são verdadeiros tesouros, mesmo quando delas discordo. Sinto-me bem comigo mesmo, por ter encontrado uma actividade para a qual tenho vocação e, desculpa-me a imodéstia, sou bom no que faço. Sinto-me realizado.
E estou apenas a começar.

E tudo isto sem sentir necessidade de mandar ninguém foder.

Gosto muito de ti! Beijinhos à tia Cristina.

Aquele abraço,
Txuggy

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