quarta-feira, março 08, 2006

Barcos Gregos

Para quê?, pergunto-me eu.
Porquê?, volto a perguntar.
Estas são duas questões que, ultimamente, me têm atormentado de sobremaneira.
Não chego a perder o sono por causa delas, há muito que larguei de ser néscio a esse ponto. Hoje em dia julgo que apenas o telefone me tira o sono.
Não chega a ser uma questão existencial. Recuso-me a que uma profissão dite o âmago da minha existência. Eu trabalho para justificar o meu modus vivendi, e não o contrário. Mas há dias em que a minha boa vontade é esticada para lá dos limites do razoável.
Enfim, resumindo gostava de ter um emprego como as pessoas normais.
Vejamos, trabalho numa organização que deve muito pouco ao conceito. Estas almas não têm a mais pequena noção sobre o fundamento de prestação de serviços ao público. Cifrões. Nem disso percebem, mas apenas isso veêm. Pasmo como não perdem os clientes dentro do próprio edifício (o que não seria inédito). Mesmo o edifício em si, é extraordinário como consegue teimar em manter a verticalidade. Recursos Humanos refere-se ao gabinete onde são processados (e mal) os vencimentos daqueles que, como eu, vão mantendo a máquina em funcionamento, mais por amor à arte do que aos mecenas. Direcção, aqui, respeita à capacidade de manobra das viaturas de serviço. Contabilidade, esse pequeno armazém onde se vão acumulando em pastas os documentos fiscais. Já conheci empresários circenses melhor estruturados nas suas actividades.
Vejamos novamente, o meu horário de trabalho inicia-se às 23.30 e termina às 08.00 do dia seguinte. Compete-me analisar o chorrilho de disparates que, quotidianamente, por aqui se vai produzindo, camuflado por uma espécie de trabalho que se vai fazendo, e, na melhor das hipóteses, fazer o que estiver ao meu alcance para o corrigir. Caso contrário, resta-me apenas a possibilidade de alertar para as evidências. Não quero dizer que a maior parte das pessoas que aqui trabalham sejam maus profissionais, mas o facto é que o são. E nem se pode dizer que sejam imputáveis por tal, a verdade é que desempenham as suas tarefas sistemáticamente, sem terem noção ou conhecimento do que estão a fazer e, principalmente, porque o estão a fazer.
Trabalho num sítio onde tenho que trazer de casa a água que bebo. Onde o subsídio de refeição me é retirado para me alimentarem a sandes de queijo e fiambre, quase quotidianamente. A caneta com que escrevo é minha. Os balneários onde me fardo metem nojo e o refeitório parece uma reciclagem das barracas que aqui existiram em tempos. No mês passado não me pagaram. Um lapso de quem de direito, que me disse na cara "Passar um cheque? Nem pensar. Espere pelo próximo mês". Quiseram forçar-me a assinar um contrato abaixo da minha categoria profissional. Ainda não tinha aqui chegado, já com a carta de rescisão entregue à minha última entidade patronal, quiseram sacar-me o tapete debaixo dos pés. Mais recentemente, na sequência do desaparecimento de alguém que me era muito querido, ouvi apenas "Só podes tirar dois dias". "Aquele abraço!", "Precisas de alguma coisa?", "Vai descansado e não te preocupes" foram palavras que nunca sequer passaram por intenção. Como se tudo isto não fosse já o suficiente, resta-me o consolo de o meu trabalho ser pouco ou nada reconhecido. Nem o meu próprio chefe tem noção do meu trabalho, nem, quanto muito, do resultado deste. Estivesse aqui um macaco de laboratório e mais feliz esta gente seria. Contas feitas, ainda gasto perto de 250€ do meu ordenado só para vir trabalhar.
Então para quê? Para que tirei eu três cursos nesta área, a queimar pestanas durante nove anos? Para quê gastar mais de 15 mil Euros na minha Educação e Formação? Todos estes conhecimentos apenas servem para me fazer sentir mais consciente da estupidez daquilo que faço.
Porquê, então? Porque é que me sujeito a isto? Porque é que não posso ter um emprego como as pessoas normais? Todos os dias vejo os jornais, na expectativa de um Messias numa quadrícula. Mas nada. Não há. E o que há, sinceramente, não interessa. Não quero parecer cagão, mas bolas, não investi tanto em mim próprio para ter tão parco retorno. Mas a verdade é que se não fizesse algo que mais ninguém quer fazer, provavelmente nem emprego teria.
Não me levem a mal mas o "pelo menos tens emprego" já não chega para me consolar. Não ambiciono ser Director ou Administrador, mas pelo menos algo que me faça sentir profissionalmente realizado e que não faça parecer um total desperdício o investimento realizado. E, sem querer parecer exigente, que me permita ter uma vida normal. Viver de dia, dormir de noite, ter fins-de-semana e feriados para passar com quem melhor me aprouver.
Tou cansado desta gente.
Quero naufragar deste barco grego com vista para o Tejo.

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